Gosto de Setúbal, da cidade, do distrito - no qual resido há mais de 35 anos -, e do Vitória, um clube simpático. Recordo, que nos anos 60 e 70, tinha jogadores de grande gabarito; Jacinto João, Conceição, Jaime Graça, Matine, José Maria, Octávio, Tomé, Victor Baptista e tantos outros...
José Maria Pedroto, Fernando Vaz e Manuel de Oliveira foram alguns dos muitos treinadores que serviram o Vitória de Setúbal. Mas, o tema de hoje é Bocage e, sem querer, estava a fugir para o futebol.
Quem não conhece - um pouco que seja -, a vida e a obra de Manuel Maria Barbosa du Bocage? Fica um texto retirado do sitio da Câmara Municipal de Setúbal, a cidade que o viu nascer.
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão de altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno; (...)
Assim se via Manuel Maria Barbosa du Bocage, considerado por muitos o maior poeta português do século XVIII.
Filho de um advogado e de uma francesa, Bocage nasceu em Setúbal, no número 12 da Rua Edmond Bartissol, a 15 de setembro de 1765.
Desde muito cedo que levou uma vida atribulada, assentando praça aos 14 anos de idade e ingressando na Academia Real da Marinha aos 15. Os anos seguintes dividiu-os pelo estudo e pela vida boémia das cidades.
Na sua época, Portugal enfrentava tempos difíceis. A economia era frágil, o ouro do Brasil começava a escassear e o que vinha para o país era todo conduzido para a luxúria da Corte, o erário público era gasto com as despesas da marinha e do exército, as reformas do Marquês de Pombal não eram respeitadas e o povo passava fome.
Simultaneamente, em França, os tempos eram de mudança e revolta. Luís XIV e Maria Antonieta haviam sido decapitados por altura da revolução de 1789 e espalhavam-se pela Europa os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Em Portugal, os cafés, principalmente os de Lisboa, eram pontos privilegiados de debates políticos e encontros de subversão contra o Governo.
D. Maria I enlouquecera e foi o Intendente Diogo Inácio de Pina Manique quem assumira o poder, instaurando um regime totalitário e repressivo, agravando, ainda mais, a conjuntura.
Depois do regresso a Portugal, em 1790, vindo de uma passagem agitada pelo Oriente, Bocage levou, durante uma década, uma vida de boémio em Lisboa, onde, por exemplo no Botequim das Parras ou no Café Nicola, marcou presença quase todas as noites, juntando admiradores e criando grandes amizades, devido ao carisma e às críticas que ia rubricando contra o despotismo de Pina Manique, sobre os vários problemas do país e ausência dos direitos humanos, hoje em dia, considerados elementares.
Personalidades do regime, classes sociais e clero também não escaparam à visão crítica e audaz do escritor, que, por essa altura, já se apelidava de Elmano Sadino, anagrama adquirido quando aderiu à Nova Arcádia, onde foi protegido, durante algum tempo, por Filinto Elísio e pela marquesa de Alorna.
Naturalmente que o espírito livre, rebelde e contestatário de Bocage entrou de forma irremediável em conflito com a autoridade, sendo, em 1797, preso por “desbragamento de costumes e livre pensamento”.
A Inquisição condenou-o a receber doutrina pelos oratorianos, no mosteiro de S. Bento. Quando terminou a pena, era um homem diferente, passando a trabalhar, vivendo em dificuldades e a sustentar uma irmã.
Apesar de ter pertencido formalmente a uma escola poética neoclássica, Elmano Sadino era já um pré-romântico por temperamento, lamentando-se do destino e da infelicidade e lutando contra as violentas contradições existenciais típicas dos autores românticos.
Do erotismo ao brejeirismo, da crítica construtiva ao escárnio, Bocage escreveu, até à morte, em 21 de dezembro de 1805, em Lisboa, de tudo e sobre tudo, sendo, por isso, alvo de censura durante toda a vida, tendo visto muitos versos cortados, largamente alterados ou simplesmente omitidos e publicados apenas a título póstumo.
Fonte: http://www.mun-setubal.pt/pt/pagina/bocage-1765-1805/104