Recordar a imprensa regional de Seia
A Civitatem Scena...
A sede do concelho mostrava com garbo, da esplanada do Castelo, as altivas torres de granito enegrecido que dominam a encosta. O renovado da sua arquitectura começava a denunciar-se. Era-nos sempre grato visitar Seia e isso frisámos ao Rodrigues.
Desde há longo tempo que o concelho dormitava, era um feudo da “política caciqueira”, que apenas despertava de anos a anos, ao cheiro do “carneiro com batatas e do tinto”, e ao rasgar de algum ramal como preparativo da caça ao voto. A instrução era privilégio dos ricos, mal assomando aos ouvidos dos remediados.
O padre, fanático ou manhoso, era o proprietário – mor das populações, pois que o professor primário e o potentado das geiras ainda estavam tanto ou quanto sob a suzerania dita religiosa. O cavador, ferido muitas vezes pela guerra clerical na sua honra de pai extremoso, nem sequer podia despedir da alma angustiada uma palavra de Justificado protesto. De vez em quando, um vago eco da Imprensa rumorejava: era a nota variada do “Correio de Seia”.
Passaram-se anos nisto. Um dia, galhofeiro e atrevido, aparecia em Torroselo “ O Boémio”. “Folha de alface” como os senenses lhe chamavam, foi o insecto que lançou no concelho a borbulha da imprensa local. Pequenino como era, deu contudo origem a espantos, parece que a sobressaltos...
A breve trecho publicava-se o “Noticias de Seia”. A sua tendência era progressiva e nessa folha começavam de definir-se princípios e de criar-se aspirações. Mas... arrebentou, com grande gáudio do “Correio”, que mais tarde se converteu em a “Fraternidade”, órgão político.
Acabavam de evaporar-se os últimos suores do “Notícias” quando surgiu o “Trabalho”.
Estava definitivamente criada em Seia a necessidade do periódico local.
“O Trabalho”! Ora aqui tens um jornalzinho que muito fez a Seia. Foi nele que primeiramente se patenteou a energia combativa e moralizadora da rapaziada senense e a minha fraca propaganda doutrinária. É bom acentuar que até à aparição de “O Trabalho” mal se ouvia falar em República na comarca. O mau católico aninhava-se em quási todos os lares e a fé monárquica sustentava-se pelo Preconceito. Pois a ideia do Socialismo um semestre depois, captava as simpatias de muitos.
Fôra lançada a semente. A mocidade senense animava-se ante as scintilações do Progresso.
Mas... estoirou também “O Trabalho”, como estoiraram o “Seia Nova” e a “Folha de Seia”, apesar de serem jornais com sólidas bases, escoradas na política e dirigidas por homens já assentes em lugares definidos.
Seia tem hoje duas folhas, ambas sustentadas pelos novos: - o “Alma Nova” semanário republicano e de livre crítica, e a “Voz da Serra”, sucessora do “Seia Fraternal” e “trimensário defensor dos interesses do concelho e de propaganda da região”.
Mas mais que um jornal, a “Havaneza” dos srs. Ribeiro Liz, faz uma propaganda tão intensa e inteligente, que se pode considerar um verdadeiro “Museu da Serra da Estrela”. Por meio de postais ilustrados, fotografias, anúncios, cartazes, jornais, pela palavra, por todos os meios enfim, ao seu alcance, pai e filhos parecem desafiados em fazer a apologia da Serra da Estrela. Se eles até têem como marca registada a “Cabeça da Velha”...É uma justiça que o concelho tem de lhes reconhecer.
Depois a “Havaneza” é um estabelecimento completo, com apertadas relações com a civilização, uma espécie de “Armazéns Grandela & C.ª” de Seia..., salvo um tanto, a atenção cativante com que os “caixeiros” serve o freguês, que é mais beiroa...
Fonte: Entre Serras...Herminismo, Francisco Mendes Póvoas, Lisboa, Julho de 1926